sexta-feira, 28 de junho de 2024

A morte

 


ainda consigo ter flashes daquele dia, fazia muito calor em SP. Eu estava corrida pela rua, estava cursando um curso de enfermagem numa escola renomada. e ainda tinha problemas de interação e não tinha muita habilidade na escrita. Devido ao uso prolongado de antipsicótico e afins. 

quando era de tarde, eu teria uma consulta no ginecologista ( pelo que meu lembro), subi a avenida num pé só, corria, o suor e as dores por carregar os materias não foi fácil. 

num ponto aonde tinha 2 faróis para atravessar. Vejo no meu celular tinha 20 ligações. na hr não me dei por conta, mas não pensei em nada grave.

Meu marido desesperado ligando e eu apenas dizendo já já estou saindo. Ele queria que eu fosse encontra-lo, dei risada e disse ok. 

Juro. Não achei nada fora do comum até aí. Ele sugeriu a gente fosse em um shopping comer algo. achei estranho também. Mas ok. Comemos ele disfarçou e segurou a barra bem. 

no caminho de casa, devo ter falado muito e lembro que ele dava alguns breves sorrisos. ( Ele estava olhando para alguém que já havia morrido, e agora iriam tapar o caixão) 

enfim em casa... Ele me solta a seguinte informação: 

— Preciso te contar uma coisa!?  

Nesse momento eu já fico aflita. É minha mãe eu penso... 

Mas não era. Ele diz: — É o Felipe. 

E torna a continuar e minha cabeça vai parar em outro mundo. — ele se matou, se jogou de uma ponte. Estavam procurando voce para saber e avisar. 

Meu gritos foram tão fortes que fiquei sem voz. Eu me debatia. Meus familiares ( mãe e marido) já tinha certeza que eu iria dar cabo a mim mesma. 

não deixaram eu me despedir do meu irmão. Me ligaram 3/4 dias depois do enterro. eu estava quebrada. Eu estava despedaçada. 

# você vai ter filhos né Pinho? 

# quero que você tenha uma família linda? 

# vamos brincar de guerra de travesseiro!!! 

coisas que falei quando conheci ele pela primeira vez. E eu nem sabia que ele estava doente. Eu era uma criança doente também. 

meu irmão tinha esquizofrenia grave, os surtos que teve não foram tão fáceis de lidar. Ele fugiu de casa, dormiu na rua, chorava pora a fio, sendo que nenhum ser humano conseguiria chorar tanto sem parar. Ele via coisas. Ouvia coisas. 

Mas nunca falamos sobre absolutamente nada de o que ele viu ou deixou de ver. Assim como eu não falei para ele dos cortes, e tentativas de suicídio. 

ele sabia que tinha problemas, mas não sabia a gravidade da situação. Afinal não queria que ele criasse algo que não existe na cabeça. Eu poderia ter feito mais do que ter oferecido meu amor. 

hoje ele já não existe mais. 

hoje ele já não pode ter uma família. 

hoje ele não tem o amor de uma verdadeira mãe. 

🕳️

“ Eu sinto os seus olhos em mim. Sinto que nossos caminhos iram se cruzar mais uma vez. E eu vou te perguntar porque foi antes de mim? Porque desistiu? Logo naquele momento. Não havia ligações, porque não me ligou. Peço perdão por não ter sido suficiente para você. Mas não sou nem para mim. Eu te amei desde o dia que falaram: este é o seu irmão. Sempre tive um intenso carinho por você. Em algumas ruas eu sinto que posso conversar com você. E se um dia nos encontrarmos antes do tempo, eu também não aguentei o peso de viver neste mundo. ”

Nenhum comentário: